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A publicação de livros dedicados ao futebol é cada vez mais habitual e varia entre produtos de grande qualidade a obras de consumo imediato. Nem sempre foi assim. Em meados dos anos 1990, começaram a aparecer os primeiros títulos transversais, que são obras chave para entender a literatura futebolística, como, em especial, Fever Pitch, o livro de torcedor fanático que Nick Hornby dedicou ao seu Arsenal e à sua vida como seguidor dos Gunners; “Football Against the Enemy”, a obra superlativa de Simon Kuper na qual se tocava pela primeira vez, com naturalidade, na ligação entre futebol, sociedade e política; e “The Football Factory”, de John King, lançado em 1997, que vendeu mais de 750 mil cópias no Reino Unido, trazendo uma impressionante história do mundo hoolingan, que viraria filme anos mais tarde — em português: Violência Máxima (2004). Os três são considerados os pilares fundadores da literatura esportiva moderna, mas tiveram um antecessor fundamental. No rescaldo do Itália’90, saiu à venda um livro que se tornou um sucesso imediato. Trinta anos depois, foi reeditado, gerou um documentário e deixou claras as bases de como jornalismo, sociedade e política podem ser o ponto de partida para um livro dedicado ao futebol. O livro chama-se “All Played Out”, e com ele começou o futuro.
Pete Davies era jornalista há vários anos e havia trabalhado no mundo do futebol apenas ocasionalmente. Era, sobretudo, um investigador habituado a temas de ruptura social, quando a editora Penguim colocou sobre a mesa a possibilidade de acompanhar a seleção inglesa rumo à Copa da Itália em 1990. Graças aos contatos da editora, Davies teria acesso direto à comissão inglesa, de dirigentes a jogadores, sem ignorar a figura de Bobby Robson, o polêmico treinador nacional à época. Contra toda a sua experiência prévia, Davies aceitou a encomenda e, um ano depois, saiu à venda um livro que ia mudar para sempre a percepção sobre o jogo no meio literário britânico. Está claro que não foi o primeiro livro dedicado ao jogo — por décadas, houve publicações, sobretudo na América do Sul, que exploravam as distintas realidades do jogo, mas, na Europa, a situação era bem diferente. Havia algumas biografias de antigos jogadores ou treinadores, alguns livros transversais — como as obras de Brian Glanville dedicadas às Copas do Mundo ou à Copa dos Campeões Europeus — e alguns tratados, mas, habitualmente, as editoras do maior mercado literário do mundo olhavam sempre com suspeita para obras dedicadas a um jogo que ainda associavam a torcedores ignorantes, hooligans, bêbados e incultos. Afinal, as classes altas ainda olhavam muito de lado para o impacto social do jogo e preferiam a estética do cricket ou do rugby como esportes de cavalheiros sobre o jogo do proletariado. Os problemas causados pela violência nos estádios só agravaram essa relação, o que provocou um distanciamento maior por livros de futebol e ainda mais por aqueles dedicados à seleção inglesa e ao grupo de perigosos seguidores que a acompanhavam habitualmente. Era extremamente arriscado. Tinha tudo para dar errado. Tal como a participação dos ingleses em campo. E, como com o futebol, tudo saiu inesperadamente bem e, do nada, saiu uma relíquia.
“All Played Out” é uma viagem pessoal do Davies jornalista e também o perfeito retrato do futebol da época utilizando a seleção inglesa como metáfora, também extensível a outras seleções ou outras realidades. O jornalista inglês dedica o primeiro terço do livro ao aprofundamento do conhecimento sobre os jogadores — visita vários dos convocados nas cidades onde jogavam no final da temporada 1989/90 e conhece a figura de Bobby Robson, que, à medida que vai falando com Davies, descobre-se que a FA decidiu não renovar o seu contrato, dando um sentimento de profunda honestidade e realismo ao relato. Davies viajou para acompanhar os últimos jogos das eliminatórias da Inglaterra — quando a classificação ainda estava em questão — e os amistosos prévios à Copa, mas são as suas viagens por aquela Itália da virada da década, às portas de entrar no caos que foi o Tangentopoli — a Operação Mãos Limpas, como ficou conhecida —, que mudou radicalmente e para sempre a sociedade italiana, o que captura verdadeiramente o leitor. Cagliari e a Sardenha, como base da seleção inglesa, têm protagonismo, mas Davies consegue igualmente pular pelas cidades restantes e ver vários jogos de outras seleções, vividas entre torcedores nos bares ou nos estádios, para sentir a pulsação do Mundial. Até então, nenhum torneio foi entendido tão bem desde as suas entranhas, com episódios difíceis de se conhecer se não estiver por dentro da narrativa que vai se desenvolvendo. O que, inicialmente, parecia uma aventura curta — havia poucas expectativas com o time inglês no torneio — se transforma numa viagem de crescimento coletivo e pessoal à medida que os ingleses vão superando os seus sucessivos obstáculos até chegar àquela noite em Turim. E essa noite se tornou fundamental tanto na psique do torcedor inglês como na vida do próprio livro que, anos mais tarde, após a sua edição original, foi reeditado precisamente com este título: “One Night in Turin”. A popularidade à volta desse time deu uma cor especial ao torneio — ao som do cativante hino assinado pelo New Order, “World in Motion”, que se tornou um símbolo para toda essa geração do êxtase do futebol pré-Premier League, que vivia a ressaca dos últimos anos de Margaret Thatcher no poder — e se transformou, duas décadas depois, num documentário colorido extremamente popular, que provocou a reedição do livro depois de ter caído no esquecimento anos após a sua publicação original.
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Jornalista e escritor. Autor dos livros “NOITE EUROPÉIAS”, “SONHOS DOURADOS”, “SUEÑOS DE LA EURO” e “JOHA: A ANATOMIA DE UM GÊNIO”.Futebol e Política têm tudo a ver, basta conectar os pontos.O coração de menino ficou no minuto 93 da final de Barcelona.Estudou comunicação na Universidade do Porto e morou mais de uma década em Madri.
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