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Nada além do que se é

Houve uma vez a história de um país que jogaria um Mundial sob os olhares sempre extasiados dos torcedores locais. Um Mundial trazido àquela pátria quase que pela ponta da faca de um governo que — covardemente — planejou usar a indomável paixão futebolística de seu povo para tomar, como suas próprias, as glórias de um triunfo esportivo em casa. É claro que todos queriam a taça. Mas o troféu dessa conquista só poderia ser erguido por aquele que se resignasse a recebê-lo das mãos sujas de sangue de um assassino torturador que levou o país a viver os momentos mais hediondos de sua história. Após o baile argentino contra os holandeses, Daniel Passarella resignou-se.

Quando finalmente detém em mãos firmes a honraria máxima dos capitães, Passarella provavelmente não se importa com o simbolismo envolvido no ato de recebê-la diretamente das mãos de Rafael Videla. Mas quem poderia culpá-lo? Ele era o capitão da Argentina, jogando uma final de Copa do Mundo em seu país, precisamente no estádio do River Plate, que defendeu durante nove de seus dezesseis anos de carreira. Não havia razões para não deixar-se tragar pela loucura pulsante que só é concedida àqueles que se consagram campeões mundiais em solo pátrio. O capitão evitou movimentos de conotação política e preferiu pensar estritamente na memória que incutia em seus torcedores enquanto praticava o gesto que o credenciou à imortalidade.

O glorioso momento sonhado por onze em cada dez capitães nacionais caiu no colo de Passarella após a renúncia daquele que lealmente vestia a braçadeira de capitão argentino até poucos meses antes do Mundial. Jorge Lobo Carrascosa rejeitou a possibilidade de entrar no panteão dos imortais por não sentir-se capaz de igualar a abstração romântica praticada por seu substituto na entrega do troféu. As razões eram as mais diversas, segundo ele próprio, e começaram a atormentar-lhe o sono durante a disputa da Copa do Mundo na Alemanha, quatro anos antes.

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Jornalista por formação, músico por insistência. Jamais desperdiçou uma cobrança de pênalti e lamenta que a torcida brasileira não possua gritos de guerra intimidadores para jogos da Seleção. Otimista por excelência, ainda acredita no futebol-arte, se diverte com o Brasileirão e se emociona com jogadores emocionados.

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