Carrinho de compras

Nenhum produto no carrinho.

Fred

Naturalidade. Fred — pouca gente sabe que o verdadeiro nome dele é Bruno  — esbanja naturalidade. Ele conseguiu status de boleiro mesmo sem nunca ter sido jogador profissional. Na comunicação, subiu degraus em poucos anos e se converteu em um apresentador irreverente, articulado e, sobretudo, capaz de se conectar com um público jovem, cansado do formato tradicional da TV, que não conseguiu — e talvez nem devesse — acompanhar a chamada internet.

Fenômeno dentro de outro fenômeno, Fred vem do YouTube e, claro, das outras redes sociais, que conversam, mas cada uma com a sua característica própria. Oriundo de uma família trabalhadora do Nordeste radicada em São Paulo, Fred cresceu vertiginosamente, mas mantém seu jeito simples e não deixa de se surpreender com seus feitos, ao mesmo tempo em que transmite naturalidade.

Mesmo sem perceber, com o seu trabalho, Fred indica que o caminho da comunicação no futebol passa muito mais pelo jeito como ele conduz seus trabalhos do que pela seriedade dos debates em torno de como foi uma partida ou das gritarias de algumas transmissões ou programas.

O que Fred também propõe em seu trabalho é um “clubismo do bem”, tão raro em tempos de toxicidade nas redes sociais, ambiente no qual o ódio sempre prevalece na disputa por quem tem o amor maior.

Vamos começar pelo Bruno, porque eu achei que só eu que não sabia, mas vi em várias entrevistas que você deu que ninguém sabe o teu nome. 

Ninguém é muito. O pessoal acha muito curioso. Fred não é um nome artístico, é um apelido que é um outro nome. Algumas pessoas sabem, principalmente quem é fã do Desimpedidos. E era louco, porque eu procurava um nome artístico que fosse sonoro, porque Bruno Carneiro não era, nem Bruno Nunes, que ficava meio fanho.

E “Bruno do Desimpedidos” também não ia ficar bom…

Também não. Agora, “Fred do Desimpedidos” encaixou.

A tua trajetória é conhecida, mas pouca gente sabe que você tem uma origem muito humilde. Por isso quis começar pelo Bruno. Você contou que dava aula de informática para uma senhora e passeava com o cachorro dela… Queria que você falasse dos seus pais: o que você traz deles que você vai passar pro seu filho?

Acho que tudo, principalmente, valorizar toda conquista. Batalhar muito… Eu acho que esse é um dos meus grandes diferenciais, e eu adquiri isso do meu pai e da minha mãe. Nada na vida vem facilmente. Se na minha vida as coisas foram extremamente difíceis, e eu nasci e cresci em São Paulo, imagina pros meus pais, que nasceram e cresceram no interior do Ceará. Minha mãe é do Cariré e meu pai é de Orós, cidades bem afastadas e pouco conhecidas. Então imagina eles crescerem no Nordeste, tentarem a vida em São Paulo, começarem praticamente do zero. Sair do Ceará pra cá num pau de arara. Esse é o principal valor que eu aprendi com eles. Desde pequeno, eu trabalho. Desde os meus sete anos de idade que eu trabalho com a minha mãe. Eu sabia que uma pessoa a mais ia ajudar a trazer mais dinheiro pra dentro de casa. É uma grande dificuldade que eu vou ter com o Cris, porque, realmente, ele não sabe nem falar direito e já ganha muita coisa. Hoje chegam mais “recebidos” pro Cris do que pra mim lá em casa. Como que eu vou explicar pra ele que a vida não é essa farra? Ao mesmo tempo, eu trabalho pra dar tudo de bom pro meu pai e pra minha mãe, pra minha irmã, pros amigos que estão ao meu redor e pro meu filho também, obviamente. Mas como eu vou passar isso pra ele? É um desafio no qual eu penso todos os dias. 

Você falou da origem dos seus pais. Você ia ou foi alguma vez pro Ceará quando criança?

Fui depois de mais velho. A gente nunca teve dinheiro pra esse tipo de coisa. As minhas avós moravam lá no Ceará e vieram pra São Paulo, mas a minha avó por parte de pai voltou pra lá quando eu tinha uns quatro ou cinco anos de idade. E a gente nunca teve dinheiro pra viajar e visitá-la. Só depois de muito tempo, acho que em 2016 ou 2017, se eu não me engano, aí eu tive um jogo em Fortaleza — acho que era Safadão contra Osvaldo — e levei meu pai, meus primos, e fomos pra Orós. É linda a cidade, tem o açude… quando sangra e até quando está seco é bonito, claro, levando em consideração as condições climáticas. Quando a gente foi pra um evento lá e acabou chovendo, as pessoas agradeceram. Aqui em São Paulo, a gente tem mania de que quando chove estraga tudo, mas lá é totalmente o oposto. Foi muito legal conhecer as origens e raízes do meu pai.

Como foi ser filho de nordestinos em São Paulo, em uma região mais periférica? A Vila Santa Catarina não chega a ser uma quebrada, mas é uma região menos favorecida.

Eu me lembro de muita dificuldade. A gente tinha muito problema financeiro. A minha família sempre devia muito, mas não porque nos endividávamos. A gente sobrevivia, era tudo muito contado. Quando alguém ganhava um dinheirinho a mais, por exemplo… Eu trabalhava como escriturário, assinei uma rescisão, aí esse dinheiro foi pra pagar as dívidas da minha família ou pra comprar alguma coisa pra dentro de casa. O que eu aprendi com eles sendo nordestinos é essa garra. Não tem jeito aqui? Vamos por outro lado. Trabalhei como passeador de cachorro, dei aula de informática, fui gandula de tênis, trabalhei em padaria, de ambulante, de figurante… Essa garra, eu trouxe da origem nordestina dos meus pais e acho que é um dos meus grandes diferenciais. 

E você sentiu, na sua vida ou na deles, algum preconceito por serem nordestinos?

Não. Não vi porque os outros colegas de trabalho do meu pai também vieram do Nordeste. Meu pai era metalúrgico.

Quando que você decidiu fazer jornalismo?

Eu decidi depois de não dar certo no futebol. Por volta dos 22 anos. Eu comecei a fazer teatro aos 16. Eu era um cara extremamente tímido, sempre fazia brincadeiras na escola, mas me apresentar era muito difícil. Com o teatro, comecei a me apresentar pras pessoas na igreja e entendi que a comunicação era algo que me encantava. Depois, quando eu vi que não ia mesmo seguir no futebol, eu falei: “Preciso traçar um rumo aqui, preciso entrar numa faculdade”. Sempre gostei muito de conhecimentos gerais. Aí via os apresentadores, os repórteres, então achei que era aquilo que eu queria: me comunicar com as pessoas. Queria passar a minha mensagem e, se tudo desse certo, falar de futebol. E foi assim que decidi. 

Embora tímido até os 16, você já tinha algo pela fama. Você ensaiava autógrafo? Você tinha um fetiche com a fama?

Tinha. Sempre tive, desde pequeno. Eu achava que ia ser famoso… Acho que a palavra não é “famoso”, mas sim “reconhecido”. Com um pouco mais de maturidade, eu vejo isso. Eu queria ser reconhecido pelo meu trabalho. Queria que o meu trabalho proporcionasse alegria pra minha família. Antes eu pensava que seria no estádio, com as pessoas torcendo, usando a minha camisa… Esse era o meu grande objetivo. 

O futebol era mais pelo desejo de ser jogador, pela atividade em si ou pela fama, sinceramente?

Não, eu amava futebol. Amava, não. Amo futebol. Minha mãe sempre odiou futebol, então imagina meu pai, que amava, e minha mãe, que odiava. Ela conta que desde bebê eu chutava tudo como se fosse bola: carrinho, telefone… O que tivesse, eu chutava. Ela fala que não tinha como tirar o futebol da minha vida. Desde os dois anos, eu comecei a ir pros jogos do meu pai, comecei a entender um pouco mais. Sempre fui viciado em jogar. Eu era daquelas crianças que, se deixassem, jogava o dia inteiro. Na época da escolinha, eu treinava de manhã e de tarde. Uns tempos atrás, eu parei de jogar um pouco, perdi um pouco a vontade de jogar bola por causa de lesões, porque acaba atrapalhando meu trabalho. Mas agora, mais recentemente, eu voltei a jogar.

O corpo responde diferente. Você está com 32 anos. 

Totalmente. Você tem que se cuidar muito mais. Não dá pra chegar, correr e jogar várias horas. Tem que aquecer, fazer tudo direitinho, bonitinho e mesmo assim eu ainda me machuco bastante, que é uma das coisas que mais me frustram. Eu acabo exigindo muito do meu corpo durante a semana inteira e tem alguns momentos nos quais eu estou mais cansado — e aí é quando acontecem as lesões. 

Quando você decidiu fazer jornalismo, quais eram as tuas referências? 

Tiago Leifert, não tinha como. Eu sempre me interessei pelo esporte como um todo. Eu gostava de assistir até o Gol Show, do SBT. Qualquer coisa que envolvesse futebol… Oliver Tsubasa. Tudo que tivesse um pouquinho de futebol me chamava atenção completamente. Eu sou da época do Eli Coimbra no Show do Esporte, da Band. Eu pensava: “Eu quero trabalhar com isso”. Tinha o Léo Batista, um pessoal mais antigo. O Galvão, pra mim, é uma baita referência também. Já tive a oportunidade de ler o livro dele, de conhecer a história dele. É um baita de um cara que eu admiro demais. O quanto ele conseguiu transformar o esporte e o quanto ele consegue fazer uma parada única. Tem várias pessoas nas quais me inspiro, mas o “hors-concours” foi o Tiago Leifert, porque ele foi a junção de tudo que eu imaginava. Muita coisa, eu já identificava que era meio chato. Eu pensava: “Pô, como que os caras estão falando desse jeito totalmente quadrado sendo que tem como dar a informação de um jeito mais descontraído?”. Aí foi quando ele apareceu e, pra mim, ele revolucionou não só o esporte, mas a TV como um todo, por causa do modo como ele se comunicava.

O Tiago Leifert surgiu num momento em que o Globo Esporte de São Paulo tomava pau do Chaves na hora do almoço. E ele conseguiu fazer o programa ter picos de audiência. Ele deu essa chacoalhada. Ele também acabava estimulando uma rixa entre Brasil e Argentina. Como você, que já foi pra Argentina, encara isso?

Eu já vivi coisas tensas lá.

Mas isso em contextos de futebol. Eu me refiro à cidade, como turista lá.

Ah, sim, isso não. Em ambientes de futebol já teve casos. Eu não falo fluentemente espanhol, mas quando eu viajo para Espanha, eles até perguntam se eu sou argentino, porque eu tive que aprender a fazer o sotaque deles meio que pra sobreviver. Tem estádio nos quais a gente não pode falar português. Essa rivalidade existe, sim, e eu já passei uns perrengues. 

Claro que existe, não nego, mas estou dizendo que, em linhas gerais, você não vai passar um perrengue só porque é brasileiro, ninguém vai te maltratar lá. 

Não, isso não.

Você não acha que o Tiago Leifert tenha errado no tom ao criar uma rixa com a Argentina, criando essa coisa de torcer contra? Até que ponto você acha que isso é saudável ou que pode perigar no contexto em que vivemos, de rivalidades de torcidas?

Eu acho que ele jamais puxou pro lado da violência. Pelo menos nas vezes em que eu o vi dando esse tipo de declaração, ele jamais puxou pra esse lado. Eu, tentando pensar com a cabeça dele, acho que trazendo uma rivalidade forte, você fortalece a sua torcida. Assim como eu, ele é um grande defensor da Seleção Brasileira. Acho que talvez a ideia dele tenha sido essa, de a gente ter cada vez mais patriotismo e torcer mais pela nossa seleção.

Vamos entrar na questão do jornalismo versus entretenimento. Você diz que faz “entretenimento esportivo”. Você não se diz jornalista esportivo?

Não. Eu faço entretenimento. Sou jornalista, trabalho com esporte, mas faço entretenimento esportivo.

Você acha que o jornalismo esportivo tradicional está acabando? Ele tende a acabar?

Não, isso nunca. Acabar, nunca vai. Na minha visão, tem que se renovar. Já teve essa geração do Tiago Leifert, mas eu acho que está voltando a dar uma estagnada. Tem muitas coisas que acho que não evoluíram tanto. Isso na minha visão. Obviamente, a minha visão é muito embasada por aquilo que eu gosto de assistir, que eu gosto de fazer. O futebol é um nicho que é interminável. Todo ano você vai ter os mesmos campeonatos, mas você sempre vai ter histórias diferentes, e isso sempre vai trazer um engajamento muito grande do público, seja em audiência, seja em redes sociais, seja em presença nos estádios. Acho que [o jornalismo esportivo] acabar, nunca vai.

Mas se o drive é esse de audiência, de engajamento, de redes sociais, isso não é mais entretenimento do que jornalismo? O que você acha que o jornalismo precisa fazer pra melhorar?

Hoje em dia, é muito democrático. A gente fez um projeto no Paulistão de 2022. Quem quer uma transmissão mais tradicional, assiste na Globo, assiste no Premiere. Quem quiser assistir uma transmissão um pouco mais conversada, assiste com a gente no YouTube. Eu não acho que vai acabar, mas acho que, cada vez mais, as pessoas mais jovens vão se identificar com formatos mais atualizados do que com os formatos mais tradicionais.

Você está propondo uma convergência. Jornalismo e entretenimento convergirem pra um formato mais atraente?

Não. Assim, eu não trabalho em TV, mas, às vezes, eu consumo os conteúdos da TV. Da forma como eu vejo o esporte, da forma como eu acho que poderia ser feito, a minha “dica”, digamos assim, não que eu seja o senhor da razão nem nada, mas o que eu gostaria de ver é um conteúdo muito mais solto do que o tradicional. Já teve isso lá atrás, com o Tiago Leifert, mas hoje isso não acontece mais.

Você recebeu um convite da Fox Sports após quatro meses de Desimpedidos?

Foi um convite do Mauro Beting.

Você tremeu na base?

Eu demorei pra assimilar. Assim, era e ainda é um grande sonho. Já tive um projeto na Fox Sports, já tive um programa na ESPN… Acho que, uma hora ou outra, vai acabar acontecendo um projeto de TV aberta. Mas naquela época eu passei de dois anos desempregado a ter um vídeo viralizado num canal gigante, que já era, naquela época, o maior canal de futebol [do YouTube].

Era incipiente. Gerava aquela dúvida se aquilo era mesmo o futuro…

Na época, todo mundo afirmava: “Quem sabe um dia você não vá pra TV”. Hoje em dia não é mais isso. A internet não é mais uma escada pra TV. São duas plataformas que convivem. Você perguntou da convergência. Eu acho que isso não vai acontecer. Acho que as duas têm o seu espaço, mas tem muita gente que está na TV e está vindo pra internet. Acho que o movimento contrário vem sendo muito maior do que de as pessoas da internet irem pra TV. Mas na época que o Mauro [Beting] me fez essa proposta, eu falei: “Pô, tá, e aí, o que vai acontecer?”. Ele falou que ia comentar lá dentro sobre mim com os caras e, nisso, o pessoal da NWB [empresa que administra o Desimpedidos] se ligou que isso podia acontecer, que eu tinha um potencial ali e meio que me blindaram. Mas acabou que não andou muito. Não teve uma proposta oficial, de fato. Foi só uma sondagem mesmo.

Vendo muitas entrevistas tuas, elas são muito parecidas. Você fala as mesmas coisas. Parece que você aperta a tecla play e fala sobre os mesmos assuntos.

Sim, muito, mano! São sempre as mesmas perguntas.

Eu noto que você é “um boleiro que nunca foi jogador”. Eu sei que você teve a passagem pelo Magnus Futsal, já teve jogos com profissionais, porém você nunca foi, de fato, um atleta profissional. Tem uma coisa que te diferencia muito dos boleiros no geral — e isso não é uma crítica —, mas você não fala em Deus. Você não atribui a Deus suas conquistas e os jogadores tendem a ser muito devotos, no geral. Mesmo os mais zoeiros falam muito em Deus. Qual é o lugar que Deus ocupa na tua vida? Como é a sua religiosidade?

Eu sou muito do bem. Não tenho uma religião. Eu fui criado na igreja. Mas legal que você tenha reparado nisso, porque eu realmente não toco muito nesse assunto. Como eu me considero uma pessoa influente na vida das pessoas, parece que qualquer coisa que eu falar vai interferir na crença delas. Eu tenho a minha crença, tenho coisas nas quais acredito e tem coisas nas quais eu desacredito. Eu não atribuo uma conquista ou outra a algo externo. Acredito muito no trabalho, na minha dedicação. Mas eu respeito a crença de todo mundo.

Com relação à política, você já falou da importância do FIES pra você. Como você encara o teu acesso à universidade, tendo sido por um programa de governo? Quanto isso mudou a tua vida? 

Total. Se não fosse esse programa do governo, na época eu não teria acesso. Eu lembro que felizmente eu consegui um estágio e ganhava, sei lá, uns R$ 600 ou R$ 700. E a faculdade custava R$ 800. Ou eu ia ficar devendo, ou eu ia trancar e desistir. Eu consegui 75% de bolsa por meio desse programa do governo. Uma série de familiares me ajudaram a provar renda, colocaram nome de fiador. Foi uma grande luta tanto minha quanto da minha mãe. E quando a gente conseguiu entrar no FIES, pra mim foi um baita de um alívio. Se não fosse a faculdade, muito provavelmente eu não estaria aqui com você. Não estaria sendo capa de uma revista, não teria acesso ao conhecimento que eu tive, não teria acesso à experiência que eu comecei a ter, não teria contato com as pessoas com quem eu acabei tendo. Pra mim, foi algo muito importante.

Você falou que tinha interesse em conhecimentos gerais. A faculdade foi um divisor de águas em nível intelectual? Não só de status, de ter um diploma.

Honestamente, nem sei onde está o meu diploma. Eu amava a faculdade. Vários alunos falavam que não aguentavam mais a aula de sexta-feira e eu era aquele chato que ficava perguntando até sanar as minhas dúvidas. Eu não era nerd, mas eu sabia que aquilo poderia mudar a minha vida e hoje, de fato, mudou. Tinha professores incríveis que falavam da história do jornalismo, sobre radiojornalismo, telejornalismo, sobre como se apresentar, sobre como apurar notícias, sobre como entrevistar. Todo esse conhecimento, eu utilizei e utilizo muito bem até hoje.

Você sempre constrói um efeito borboleta nas tuas falas, juntando os elos que te levaram a tal lugar.

Demais! Eu gosto muito dessas historinhas e tenho muito receio de ser ingrato. Na maioria das vezes em que falo desse efeito borboleta, falo de alguém que apareceu na minha vida ou de alguma atitude que eu tive e que acabou resultando em algo importante lá na frente.

Você sempre conta uma história de um companheiro seu do “Futebol nas Quatro Linhas” que te emprestou R$ 3, mas aí caiu R$ 1 na avenida. Você sempre lembra disso…

É uma das coisas das quais eu mais lembro. A passagem era R$ 3 e se eu perdesse aquela moeda ali, eu não sei o que eu iria fazer pra voltar pra casa. Eu iria ter que pedir dinheiro no sinal de trânsito, pedir emprestado nem sei pra quem ou ia voltar a pé pra casa. Então foi uma passagem marcante pra mim. 

Como é essa mudança de um cara que precisava daquela moeda pro cara que vai no barbeiro não sei quantas vezes por semana?

Também não é assim, não. Vou a cada 15 dias. Mas meus amigos já me zoavam desde aquela época: “Você fica se arrumando, veste essas roupas diferentes.” Eu sempre tive uma personalidade muito forte. Sempre usei tênis diferente, mas a mudança gritante é que eu não tinha dinheiro. Então eu ia no brechó comprar roupa que alguém não usava mais, pegava um tênis meu que estava ficando um pouco mais velho e eu mesmo pintava com tinta de tecido, pra ficar num estilo que me agradasse. A diferença é essa. Felizmente, graças ao meu trabalho, eu tenho dinheiro e condições pra ter as coisas.

Em algum momento esse seu desejo por fama se tornou uma obsessão? Você chegou a ter ansiedade que te atrapalhasse nos teus objetivos? 

Acho que obsessão, eu não sei se é a palavra, não…

Vou te interromper, porque você, o tempo inteiro, demonstra muita naturalidade. Todos falam isso de você, que você é isso. Quem já trabalhou em TV sabe que tem gente que é uma pessoa no estúdio e outra fora de lá.

Eu tinha muita ambição, eu era muito determinado, eu queria ser famoso, ser reconhecido. Mas eu acho que essa ambição toda, essa gana, essa garra existiram até o momento em que eu virei. Na hora que eu entrei no Desimpedidos, eu senti que aconteceu. Eu pensei: “Agora eu nunca mais vou ficar desempregado”, que era o que eu desejava. E eu achei que as coisas iam começar a acontecer mais naturalmente. Eu tinha ciência do meu potencial, daquilo que eu era capaz de fazer. A partir daquele momento, parou de ser uma ambição tão grande, porque eu só queria alcançar as coisas que eu sempre desejei, realizar os sonhos que eu sempre almejei. É o que eu faço até hoje.

Ambição, sim; obsessão, não?

Sim, quando eu entrei no Desimpedidos e estourei lá com o vídeo “Cristiano Ronaldo da vida real”, se depois daquilo eu continuasse trabalhando com futebol, passando a minha mensagem de forma bem descontraída, mas não me tornasse famoso, estaria tudo bem. Eu não me consideraria uma pessoa frustrada. A fama tem o ônus e o bônus. Gosto muito, em vários momentos, do que a fama traz, pois é algo que eu buscava desde pequeno, mas nunca foi algo do tipo: “Nossa, preciso ser famoso, preciso ser reconhecido, preciso que as pessoas saibam quem eu sou”. Não, tanto que hoje eu acho que consigo dosar muito bem. Eu até tive uma conversa recentemente com um amigo meu que é bem famoso e ele falou: “Fred, você tem que dominar o Brasil, dominar o mundo”. Eu falei que não sabia, que achava que estava bom assim. Ele disse que ia almoçar num restaurante no Amapá e as pessoas tiravam fotos com ele. Eu não sei se eu quero isso, sabe? Com a fama que eu tenho e as coisas que isso está me trazendo, acho que já está bom. Quanto isso vai custar da minha paz, do meu tempo? De eu não poder ficar com meu filho, com a minha família? Eu não me considero um cara obcecado. Eu me considero um cara ambicioso.

Você acha que não vai ter mais nenhuma notícia que te faça descer do ônibus e sair correndo pela rua? Até porque você não vai mais estar num ônibus… [Fred desceu correndo de um ônibus quando foi contratado pelo Desimpedidos].

Vai, lógico que vai! Assim, quando eu estiver um programa na TV aberta, falando de esporte ou de entretenimento, quando eu conseguir encontrar a ideia de ter um livro legal, que esse é um objetivo que eu tenho. Quando eu sentir que, de fato, eu fiz a diferença na cultura dos torcedores e que eu colaborei pra que a violência não acontecesse mais. E agora também mudou muito! Talvez eu saia correndo pelas conquistas do meu filho. Tem uma série de coisas pra acontecer que vão me fazer sair correndo e comemorando. 

Sobre cultura de torcidas, você critica muito e sempre fala que é uma preocupação que você tem. O futebol tem várias camadas de discussões, e a violência é uma delas. Você é muito crítico à violência de torcidas. Mas você vem de um contexto em que, às vezes, dá pra compreender mais essa questão, mas parece que você aceita menos a violência das torcidas. Sem ser preconceituoso, mas o perfil do torcedor de organizadas tende a ser mais de periferias [e de regiões menos favorecidas]. Você acha que a violência no futebol reflete a sociedade ou é maior no futebol? Como você vê isso?

Assim, de cara, eu já vou falar que, pra mim, não sei se tem muito a ver. Eu não tenho nenhum dado estatístico pra falar que os torcedores mais agressivos são da periferia ou não. Eu já vi torcedor playboy, com filho, maltratando um policial, desrespeitando outra pessoa. 

Eu me referia à torcida organizada. “Torcedor violento” é um termo mais abrangente, claro.

É óbvio, tem um número maior de casos de violência envolvendo torcida organizada, mas não é só isso. Eu já sofri ataque de torcida organizada e de torcedor comum. Eu não acho muito que tenha essa divisão, de fato. Eu convivo com várias torcidas, de várias classes sociais, de várias regiões… Enfim, eu acho que não tem algo que diga que tal pessoa vai te ofender, tal pessoa vai te agredir. Já fui hostilizado em algumas situações  — poucas até, falando de situações presenciais — tanto na geralzona quanto na numerada. Então acho que não tem essa divisão, não. 

Homofobia. No início do Desimpedidos, era muito comum o uso de termos como “bambi”. Quando você virou a chave?

Fui tendo acesso à informação. A partir do momento em que eu também entendi a responsabilidade que eu tenho com quem me assiste. Em 2015, quando eu entrei no Desimpedidos, eu dançava conforme a música que tocava, mas a partir de 2016 e 2017, comecei a me incomodar um pouco mais. Começaram a aparecer os primeiros casos  — na época nem existia esse termo “cancelamento”  — e eu não queria ser aquele tipo de pessoa que vai falar algo que vai ofender alguém. Mas teve uma chave que virou pra mim, que foi a minha irmã. Ela, hoje, se considera não-binária. Ela se dizia lésbica e me falou que foi questionada a respeito de por que eu fazia piadas homofóbicas. Aí eu pensei que, poxa, realmente era algo tão enraizado na nossa cultura que a gente vai brincando com aquilo e nem chega a imaginar que está mesmo ofendendo uma pessoa. Foi aí que eu comecei a conversar um pouco mais com ela e informei ao pessoal do Desimpedidos que eu não faria mais esse tipo de conteúdo.

A homofobia tem um lado bem ridículo no futebol, que é o lance da camisa número 24. Na Copa América de 2021, o Brasil inscreveu 24 jogadores, mas a numeração pulava do 23 pro 25. Você, que conhece os caras, entende porque eles não usam a 24?

É uma brincadeira (entre aspas) muito enraizada no futebol. Eu tive a oportunidade de estar no Magnus Futsal, que é um nicho do futebol, um esporte que tem muito menos reconhecimento, mas as brincadeiras, as zoeiras, as resenhas são a mesma coisa. E acho que nem tem tanto a ver com a torcida, não, mas claro que tem muito torcedor que tem toda uma questão com relação a isso, que é uma bobeira. Mas acho que tem uma “brincadeira” entre os jogadores — e o futebol é muito machista. Tem muita coisa mudando, mas o futebol e a cultura do jogador são muito machistas.

E o que você diria pra quem diz que isso é “mimimi”?

Eu já tive uma oportunidade — e foi curioso — de falar com uma torcedora do Corinthians. A gente estava conversando uma vez e ela falou que são-paulino era bambi, aí eu disse: “Putz, mano, não faz essa brincadeira, não é legal. Eu já fiz durante muito tempo, mas não é legal”. Ela questionou, falou que era “mimimi”, que era só uma brincadeira. Eu falei que não era só uma brincadeira, porque, a partir do momento em que existe homofobia, em que existe preconceito, pessoas podem ser agredidas e podem ser mortas por isso, pessoas podem ser proibidas de torcer pelo próprio time pelas organizadas… Então não é legal fazer esse tipo de brincadeira, pois você vai nutrindo isso. Na hora, ela falou que era bobeira. Mas passou um tempo e ela me mandou uma mensagem me agradecendo pelo que falei, porque ela tinha um primo que era homossexual e que não ia pra estádio porque tinha medo de sofrer qualquer agressão. 

Os torcedores costumam achar que têm o direito irrestrito de opinar, e isso abre um suposto direito de agredir, de insultar. Você sofreu muito com o fato de vestir camisas de outros times. Pra você, há como melhorar? Você acredita que essa toxicidade das torcidas pode melhorar?

Eu acho que tem uma geração que eu perdi. Essas pessoas já têm os pensamentos delas a respeito do que é ser torcedor. Com essas pessoas que não estão abertas a ouvir outra opinião, realmente, no fim das contas, eu acabo não me importando. Eu me importo muito mais com a geração jovem que me assiste, que me acompanha, que vê o outro lado, que entende como eu interpreto o futebol. Eu respeito. Eu estou com a camisa do Manchester [United]. Tem cara que fala que eu vesti a camisa do Flamengo, então eu não sou palmeirense. Não é isso que vai mudar o meu amor, a minha torcida. Mas eu respeito quem fala que jamais vestiria a camisa de outro time. Porém eu visto. É só me respeitar também. Mas a pessoa acha que eu sou menos palmeirense por isso. Não, não sou. Como que mede o grau de palmeirense aí? Você é sócio? É diretor do clube? Você interfere ali de fato? O que é ser mais palmeirense e menos palmeirense? Eu não tenho certeza se eu vou conseguir mudar. Tem uma geração que eu já “perdi”, mas tem outra para a qual acho que estou começando a fazer diferença. Eu não vou desistir. Sempre que eu tiver uma oportunidade, como essa aqui, de falar contra essa toxicidade de torcida, esse jeito agressivo que muitos torcedores tem, eu vou falar.

Fala do Palmeiras que te encantou pela primeira vez. Você diz que o time de 1993/94 foi fundamental pra você se tornar palmeirense. Mas você não se lembra de como o time jogava, pois você era muito novo. Qual foi a primeira vez em que você decorou a escalação e acompanhou mesmo?

Em 1995, foi quando eu firmei a transição de corintiano pra palmeirense. Foi quando eu estava começando a entender um pouco mais, mas o primeiro time que eu acompanhei, lia nas revistas e estava junto com os meus primos foi o time de 1996 mesmo, com Djalminha, Müller, Luizão, Rivaldo, Júnior, Cléber… Enfim, toda essa galera.

Então você viu plenamente o time de 1999?

Vi, cara. Plenamente. Foi um dos momentos mais felizes da minha vida. É curioso porque eu vi um meme esses dias, depois que alguém disse que o Flamengo estava irreconhecível. Aí o cara falou: “Não, irreconhecível é o de 2019, pois o Flamengo é isso aí”. Considerando o jeito como eu fui criado como palmeirense, o Palmeiras está irreconhecível: ganhando várias finais, participando de todos os campeonatos, enquanto os outros rivais não ganham. Por isso eu tenho uma lembrança muito boa de 1999. Óbvio que essa fase de 2020/21 é muito melhor, não tem nem como negar, mas foi ali, em 1996, 97, 98 e 99, que fui me consolidando cada vez mais como um apaixonado. Foi quando comecei, de fato, a entender o futebol.

É indiscutível que a fase de 2020/21 do Palmeiras é mais gloriosa. Mas falando mais de campo e bola, qual time é melhor?

Como torcedor, eu sempre gosto de buscar essas comparações. O jogador fala que não tem como comparar: “Ah, não dá pra comparar o Cristiano Ronaldo com o Pelé, porque o Pelé era o ‘hors concours’ no tempo dele lá, com as informações que ele tinha, com o material que tinha à disposição”. Enfim, o Cristiano é de outra geração… Então é sempre meio difícil comparar as duas gerações. Mas de futebol mais bonito, aí não tem dúvida: era muito mais o de 1999, tanto que, por exemplo, eu acho que o Raphael Veiga é maior que o Alex, mas o Alex era muito mais mágico. O Veiga fez muito mais gols em finais, tem mais títulos que o Alex. Mas o futebol tem essa questão nostálgica, né? Eu falo e muitos torcedores ficam bravos, mas o Weverton é melhor que o Marcos. Em números, ele já prova isso — e em desempenho prova isso também! Tecnicamente, ele é muito melhor com o pé do que o Marcos. Mas aí é aquela coisa: é outro tipo de treinamento. Em 1999, você acha que os goleiros treinavam saída de bola? Não. Então o Wéverton faz parte de uma geração que foi muito mais incentivada a jogar com os pés…

Destacava-se aquele que sabia jogar com os pés, que era o caso do Rogério Ceni, Agora, se destaca negativamente aquele que não sabe jogar com os pés.

Exato! Antes era uma exceção jogar com os pés. Agora, exceção é o oposto.

O Gabigol tem mais gols em Libertadores pelo Flamengo do que o Zico, mas nunca ninguém vai dizer que ele é melhor que o Zico. São estatísticas que, às vezes, são muito cruéis. Você participou da comemoração da medalha de ouro das Olimpíadas de 2016 com o Gabigol?

Sim! Ele pegou uma casa no Rio e eu fui lá no dia seguinte.

Você já era parceiro dele?

Sim. Desde a primeira vez em que fomos gravar um desafio juntos. Acabou rolando uma amizade ali e, às vezes, eu ia na casa dele. Quando ele estava aqui em São Paulo, em hotel, eu ia lá encontrar ele, os jogadores do Santos. Acabei ficando muito próximo não só dele, mas de todo o elenco do Santos na época. Mas sim, já éramos amigos.

Você também se relaciona com jogadores mais antigos, como o próprio Kaká. O que você vê de diferente dessa geração do Gabigol, de outros um pouco mais velhos, como o Neymar, em relação àquela de Ronaldinho Gaúcho, Adriano etc.?

Conversando com eles, percebo que as redes sociais são a maior diferença. Antes, o Kaká só sabia que as pessoas estavam criticando ele por meio da televisão ou de um jornal ou revista. Agora, os jogadores ficam sabendo que estão sendo criticados porque veem em todos os lugares, além de televisão, jornais e revistas: Twitter, Instagram, YouTube… Essa é a principal diferença. Alguns jogadores aos quais eu já tive acesso, que já estiveram na Seleção, falavam que no refeitório era a maior farra, todo mundo conversando, pulando, brincando. Hoje em dia não é mais tão assim. O pessoal já sobe pro quarto pra ficar mexendo no celular. Eu não vi, mas já ouvi relatos do tipo.

Agora uma provocação: você trocaria os títulos de 2020 e 2021 da Libertadores pelo Hexa do Brasil?

[Ri e coça a cabeça] Eu trocaria… Mas peraí, o Palmeiras voltaria a ter só um título? Não, calma. Eu trocaria um… Mas dois, velho? Dois é muito! [risos]. Eu queria responder sim, mas não dá.

Obviamente é uma sinuca, porque você se declara muito torcedor da Seleção.

Sim, muito, mas é óbvio que a gente acaba tendo menos contato do que com o time, não tem jeito. Time joga toda quarta e domingo, então é um amor que vai recebendo uma manutenção muito constante.

Então agora uma mais suave: hoje, em 2022, Brasil ou Palmeiras? Você torce pra quem?

Hoje? Quem precisa mais: hoje, é o Brasil! O Palmeiras está tranqüilo.

Você é tão palmeirense quanto torcedor da Seleção, né?

Não tem muita comparação. Justamente por causa disso. Quantos jogos eu assisti da Seleção e quantos jogos eu assisti do Palmeiras? Se pegar todos os jogos da minha vida, dá 95% de jogos do Palmeiras e 5% do Brasil. Tem muito menos jogos, mas é um amor muito grande pela Seleção, sim, por causa de lembranças que eu tenho da infância — e muito também por causa do papel que eu considero ter, de trazer essa molecada pra torcer pro nosso país. Como assim torcer pra Argentina? Ou dizer que não liga pra Seleção? Pô, é o nosso país, um negócio muito legal, uma oportunidade que você tem de abraçar o seu amigo, de abraçar seu pai, que, às vezes, torce pra outro time, aí você vai torcer pra Argentina?

Você se lembra bem da Copa de 1998. Ronaldo, o fenômeno, era a tua grande referência quando você queria ser jogador de futebol?

Cara, ele era uma das, mas, curiosamente, minha maior referência era mais o Romário. Eu nunca fui muito do drible; sempre fui muito mais do gol. Sempre fui de estar mais perto da área e botar a bola pra dentro. O Ronaldo era mais mágico que o Romário. Realmente é um dos melhores apelidos do futebol, porque ele era realmente um fenômeno. Tudo o que ele fez, ainda mais com o número de lesões que ele teve, pelo pouco que ele jogou, é verdadeiramente impressionante. Mas o cara que eu acompanhei mais foi o Romário.

Também porque ele estava no Brasil nessa época.

Também… isso ajudava bastante. E a longevidade do Romário foi muito maior.

E quando eles jogaram juntos, em 1997?

Aí era mágico. Os dois carequinhas ali… Foi incrível, foi uma baita de uma fusão.

Eram uma espécie de Messi e Cristiano Ronaldo juntos…

Verdade! A gente teve a sorte de os dois serem do mesmo país. E teve também Rivaldo junto com Ronaldinho! A gente é muito privilegiado — e ainda tem gente que não gosta da Seleção.

Você desenvolveu algum relacionamento, alguma amizade com o Ronaldo?

Sim, a gente desenvolveu uma amizade, mas ele é um dos poucos caras que eu não consigo separar [atleta e pessoa]. Ele tem um podcast e foi me entrevistar. Ele começou falando: “Bruno Carneiro Nunes”. Mano, comecei a tremer por dentro… Pensei: “Cara, o Ronaldo está falando meu nome de batismo.” Realmente é um daqueles jogadores que tem um cosmo, que é uma entidade do futebol.

O Ronaldo não deixa de ser “o” Ronaldo, por mais que ele esteja gordão, como empresário…

Em qualquer lugar que ele chega, é algo totalmente fora da curva. Já gravei com ele umas quatro ou cinco vezes e cada vez é um nervosismo diferente.

Teve um concurso de freestyle da Red Bull ou da Nike, certa vez, e os moleques fazendo malabarismo lá. De repente chegou o Ronaldinho Gaúcho. Todo mundo travou. Eu achei que os caras eram melhores no freestyle que o Ronaldinho, mas eles congelaram… Então o Ronaldo é esse cara com quem você não conseguiu quebrar essa barreira de ídolo para virar teu brother?

Não consegui. A gente já conversou várias vezes sobre assuntos pessoais. Mas sempre que isso acontece, tem algum momento em que eu me pego olhando pra ele e dou uma viajada, sabe?

Tipo o Ibra olhando pro Ronaldo?

Exato! Mesma coisa. Toda hora eu penso: “Caramba, é o Ronaldo”. Ele é difícil de separar.

Neymar, Ronaldinho, Kaká, tudo bem?

Tranquilo, eu consigo separar. Mas o Ronaldo… E o Romário também! Tive a oportunidade de encontrar o Romário no Carnaval e foi um negócio que me tirou da zona de conforto.

E como é isso de frequentar a casa desses caras ao mesmo tempo em que você também é alguém que as pessoas têm curiosidade de saber como é. Demorou pra cair a ficha? Teve algum momento em que você reparou que o bicho estava pegando realmente?

Honestamente, o tempo todo! Não é algo que virou uma chave e eu falei: “Agora eu tô top!”. Não, eu fiquei sempre me questionando sobre as situações que acontecem. Eu estava apresentando o prêmio do Paulistão e, na mesa de jantar, estava o Weverton, minha esposa [à época] e meu pai. Situações que são difíceis de imaginar. Mas é algo com o qual eu sempre acabei lidando bem. Eu nunca virei amigo de jogador porque o cara é jogador. Eu virei amigo porque me identifico com o papo, a forma de viver e de enxergar as coisas são parecidas, os gostos, algumas opiniões… Virei amigo deles porque são gente boa. A maioria é muito gente boa. Mas eu também entendi que era um caminho perigoso, porque comecei a ver as coisas acontecerem na minha frente: se alguém soubesse que tal jogador está aqui com tal pessoa ou que tem tal opinião, aquilo seria uma bomba, mas por que eu vou dar esse tipo de informação, sendo que eu estou feliz de estar aqui, sabe? Eu entendi que, se eu passasse essa confiança pra eles, eu teria acesso a uma série de locais e situações de intimidade com eles aos quais jornalistas não teriam. Esse foi um dos meus grandes diferenciais pra ter entrevistado tanta gente e ter conseguido uma boa relação com todos os clubes.

Você não vive da informação. Você vive do acesso. Esse acesso só existe porque há confiança. E isso é natural em você e eles percebem isso por vocês, celebridades. Você percebe quando pessoas chegam com outros interesses.

Me aproximar dos jogadores, primeiro, era algo que eu queria. Eu sempre quis ter a vida de jogador. Então eu comecei a ter acesso vivendo junto com eles. Eu não jogava, nunca joguei futebol de campo profissionalmente, mas estava ali com eles e entendi esse universo. Eu acho que consegui demonstrar que eu não estava ali buscando informação, que estava ali sem interesses. E rola uma carência. Quando você começa a ter dinheiro, fama, muita gente vai querer te sugar, ter uma oportunidade pra isso. O jogador fica sempre meio ligadão. Isso acaba acontecendo comigo também. Um antiparasita que eu tenho na minha vida é sempre conservar a minha base, as minhas raízes. Eu tenho amigos desde a época da escola, desde quando eu fazia teatro na igreja, da faculdade — e, principalmente, a minha equipe e mais ainda a minha família. Essas pessoas são primordiais na minha vida, porque me ajudam a identificar essas pessoas que só querem sugar. 

Você já falou sobre esse sistema imunológico que você criou: na sua presença, tratam bem quem está contigo; mas, quando você não está, não tratam essa mesma pessoa bem.

Acontece muito isso. Eles sempre me dão um feedback. Essa pessoa já vai perder pontos comigo. Gostei do termo “sistema imunológico” [Risos].


Camisaria

Fred gravou o quadro CAMISARIA onde falou sobre suas lembranças de cada modelo da arara
FutClassics.


Ensaio

Após a entrevista, Fred realizou um ensaio com camisas da Nike anos 1990, fornecidas pela FutClassics.

Leia também:

Jornalista, publicitário e fotógrafo. Estudou comunicação social na Universidad Nacional de La Plata. Para Martinho, não existe golaço de falta (nem aquele do Roberto Carlos em 1997 contra a França ou de Petković em 2001 contra o Vasco). Aos 11 anos, deixou o cabelo crescer por causa do Maldini. Boicota o acordo ortográfico.