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Alex

Não foi na primeira vez. Foi na segunda ida a Istambul que se deu a visita ao Şükrü Saraçoğlu, o estádio do Fenerbahçe. Primeiro, a balsa em Kabataş, do lado europeu. A viagem de uns vinte e poucos minutos cruzando o Estreito de Bósforo. Quase sempre cheia, a balsa serve o famoso Çay — um chá, nada além disso, mas numa canequinha peculiar — acompanhado com cubinhos de açúcar, serve como passatempo até Kadıköy. Dali, Kaan conduziu o caminho por dentro de um bairro comercial, de roupas, eletrônicos, até frutas e legumes. Muita gente. Até que, em uma rua já bem mais calma, Kaan mostra uma igreja cristã, segundo ele, católica. Ele diz que lá se respeita a religião alheia, que nenhum jogador tem problemas com isso. Talvez sim, talvez não. O fato é que, cinco vezes ao dia, todos ouvem a oração em árabe em qualquer ponto da cidade.

A caminhada continua, até que se chega a um parque bem bonito. Muitas árvores e flores em pleno inverno. Nem parecia ter nevado tanto nos dias anteriores. A população felina em Istambul é imensa, certamente alguém inventou essa solução em algum momento em que ratos deviam empestear a antiga cidade, mas os gatos viraram as “pragas” e, como são fofinhos, tudo bem, enfeitam a cidade. Kaan se aproximou de um deles, que estava em um banco no Yoğurtçu Parkı, e ao mover a pata enquanto Kaan tirava uma foto com seu celular, o resultado ficou parecendo que o felino fazia uma selfie. A foto rendeu muitos likes no Instagram de Kaan.

Ao final do Yoğurtçu Parkı, um trevo. À direita dava pra ver, do outro lado, o estádio do Fernebahçe, mas exatamente neste trevo uma estátua chamou a atenção. Kaan não falou nada. Torcedor fervoroso do Beşiktaş, fez questão de não mostrar o “ponto turístico”, talvez até por inveja. Mas, pra quem é fanático por futebol, ficava impossível ocultar, seria como ignorar o Cristo Redentor no Rio de Janeiro, a Torre Eiffel em Paris ou o Coliseu em Roma.

Estava lá, Alex de Souza em bronze, como é conhecido o cara. A primeira coisa que vem à cabeça de quem olha, e dada a magnitude do clube, o tamanho da torcida, e toda a história, que talvez seja pouco conhecida: por que fariam uma estátua do Alex? Por mais fanáticos que os turcos sejam, algo diferente ou a mais o cara deve ter feito para conseguir semelhante homenagem.

Vários jogadores conhecidos no Brasil passaram por Fenerbahçe e Galatasaray, mas nenhum tem o respeito dos torcedores do Beşiktaş como Alex. Isso quer dizer muito. Não explica a estátua, mas explica a dimensão da pessoa, do ser humano que transcende o jogador que chegou ao Fener, após altos e baixos e muitas dúvidas. Apelidado de vagalume, por muitas vezes estar apagado em campo e de repente acender uma luz — mágica —, era capaz de decidir jogos, inventar jogadas mirabolantes com dribles, passes ou gols geniais. Mas, quando essa luz não acendia, o apelido vagalume era um pejorativo dos mais cruéis possível. O jogador ficou estigmatizado e certamente a opinião pública influenciou na não convocação para Copas, mesmo quando Alex se encontrava em idades consideradas ideais para um desafio desse porte.

Além do estigma, falta de sorte. Uma transferência frustrada para o futebol que concentrava os melhores jogadores à época também foi determinante na carreira de Alex. Mas jogando certo em campos tortos, o ex-camisa 10 conseguiu retomar seu melhor nível no Cruzeiro em 2003 e, depois, assinar com o Fenerbahçe. A personalidade de Alex chama bastante a atenção. Além de ser respeitado por torcedores rivais, sejam eles de Galatasaray, Beşiktaş, Corinthians, São Paulo, Atlético Mineiro ou Atlético Paranaense, ele tem fala pacata, é consciente da capacidade que tinha enquanto jogador, mas não supervaloriza seus feitos, não sobe em pedestais, nem sente necessidade de elogio ou puxa-saquismos. O contato se deu por Whatsapp, e não foi preciso explicar muito. Ele deu o ”ok” imediatamente, de maneira tão simples como já aparentava ser.

Alex recebeu a Corner no escritório de sua empresa, que cuida de alguns negócios que ele toca, no bairro Batel, em Curitiba. Várias fotos e quadros de sua passagem pelo clube do lado asiático de Istambul decoram a sala comercial. Ele disse não ter mesa, que poderia ser em qualquer uma das três ali. Enquanto preparávamos as lentes, a gravação do áudio e posições, começou o papo meio informal, que virou entrevista naturalmente.

Eu fui em um Galatasaray-Fenerbahçe e você tinha acabado de voltar ao Brasil. Era torcida única e o clima foi péssimo.

Estão acontecendo várias confusões políticas e sociais. As notícias que vêm de lá é que as coisas mudaram bastante. Por exemplo, eu nunca joguei para um público menor do que 30 mil pessoas, a média do Fenerbahçe de 2017 parece que foi menos de 17 mil.

Também fui em um Beşiktaş-Galatasaray, em Atatürk ainda, antes deles inaugurarem o Vodafone Arena, muito vazio, porque estava rolando o sistema Passolïg e o público boicotou.

Público grande no Olímpico tem que ser um baita de um jogo, porque o estádio é muito grande. Eu joguei ali para 25 mil pessoas e parecia que tinha 500, de tão grande que é o campo.

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Jornalista, publicitário e fotógrafo. Estudou comunicação social na Universidad Nacional de La Plata. Para Martinho, não existe golaço de falta (nem aquele do Roberto Carlos em 1997 contra a França ou de Petković em 2001 contra o Vasco). Aos 11 anos, deixou o cabelo crescer por causa do Maldini. Boicota o acordo ortográfico.

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