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Sim, é verdade que o Brasil caiu mais cedo que nunca por culpa das traves do gol de Goycochea e que foi o Mundial com a primeira final de um só gol. Sim, a média de gols foi baixa, e suceder a duas das maiores edições de todos os tempos também não ajuda, certamente. Ainda assim, a má fama que, ao longo dos anos, o Itália 90 foi acumulando, está bem longe de ser merecida a ponto de que, provavelmente, trinta anos depois, se tenha completamente perdido a perspectiva de um Mundial inesquecível, repleto de momentos e personagens icônicos que marcaram uma virada profunda na forma como o futebol quis ver a si próprio. O marketing à volta da seguinte edição, nos Estados Unidos, e a gigantesca revolução econômica do jogo nos anos 1990, com a explosão da Champions League e da Premier League, foram escondendo a realidade. Contudo, há muitos motivos pelos quais devemos amar — muito — o Mundial Itália 90.
Para quem se apaixona pela estrutura metálica do San Siro, a gigantesca cobertura sobre o Stadio San Paolo ou o Olimpico di Roma e a estrutura arquitetônica perfeita do Luigi Ferrari, temos novidades para você. Nenhum deles existiria sem a Copa do Mundo de 1990. O Mundial provocou uma profunda revolução nos antigos campos de jogo italianos, todos eles dos inícios dos anos 1950, estádios que não tinham nada de belo esteticamente. Basta viajar pelo Google para ver como eram as versões desses estádios antes do Mundial para entender a mudança radical. Sim, a maior parte das obras foi gerida, à distância, por empresas ligadas à máfia italiana, como o escândalo Tangentopoli depois revelou, e houve um patinho feio na saga, o Delle Alpi de Turim, que os adeptos da Juventus nunca quiseram abraçar como seu e que, entretanto, foi demolido para dar lugar ao mais modesto Juventus Stadium. Mas, no traço geral, lembrar da Itália no apogeu da sua liga, nos anos 1990, é também pensar nessas arenas únicas e, sobretudo, pensar em Nessum Dorma. O Itália 90, com a sua estética tão inovadora nas transmissões televisivas e as suas bandeiras, o mítico mascote Ciao, a icônica bola Etrusco (a última em preto e branco) e a forma futurista de ver os replays abriram uma porta ao futuro, mas também outra ao passado. Num evento como esse, a música de fundo será eternamente uma ópera, transmitida diariamente nos clipes de televisão que fechavam as transmissões, nos resumos de cada programa esportivo e na imagem das bandeiras italianas ao vento, em uníssono. Uma ópera tão bela e tão épica quanto o torneio em si, longe do ritmo latino de dança das edições anteriores e do rock’n’roll da viagem às terras do tio Sam. Um momento capturado no tempo e no espaço por uns acordes únicos.
Que outra Copa do Mundo teve um goleiro tão louco que acabou provocando a eliminação da sua própria seleção e, ainda assim, é amado até o limite pelos seus próprios torcedores? Que outro Mundial resgatou um jogador aposentado, por imposição do governo, para transformá-lo num ídolo de um continente inteiro? Não venceram títulos, mas conquistaram corações, e se houve muitas Copas de times e grandes jogadores memoráveis como Cruijff e Maradona em 1974 e 1986, Paolo Rossi e o Brasil de Telê Santana em 1982, o Itália 90 é a recordação de vários heróis de países sem grande tradição ou que romperam todas as expectativas. Foi a primeira Copa com uma seleção africana nas quartas de final, algo impensável até aquela época, que transformou por completo a forma como o mundo olhou o futebol do continente africano nas décadas seguintes. A saga de Camarões começou na vitória inaugural contra a campeã Argentina em Milão — com muita dureza à mistura — e se fez épica na eliminação da colorida Colômbia e no jogo agônico contra os ingleses, que várias vezes estiveram contra as cordas. Colombianos que viveram um verdadeiro conto de fadas, sob o baile de Milla, que acabou mais cedo do que parecia expectável depois do famoso erro de Higuita. Mas o goleiro colombiano, junto com o cabelo cheio de Carlos Valderrama e a velocidade de Faustino Asprilla, foi uma das grandes sensações do torneio. Eliminados na mesma rodada, mas com uma participação ainda mais surpreendente, o Itália 90 foi também o mundial da consagração da Costa Rica — que ocupou a vaga depois da suspensão do México na fase de qualificação —, que, depois de usar um uniforme similar ao da Juventus para conseguir o apoio dos torcedores locais no jogo inaugural do torneio, superou um duro grupo com Brasil, Suécia e a sempre decepcionante Escócia, para, então, selar na sua participação de estreia a classificação para as oitavas, apoiada entre os lances decisivos de Medford no ataque e as defesas de Luis Conejo, um dos guarda-metas icônicos do torneio e cuja lesão provocou também talvez a precoce eliminação dos centro-americanos. Sem tanta cor, mas com uma trajetória impecável, também foi o Mundial da Irlanda, uma seleção que só dois anos antes estreara numa grande competição e que seria, no início dos anos 1990, uma das equipes com mais hype em toda Europa. Não jogavam bonito, mas eram pragmáticos e, sobretudo, inspiravam os seus divertidos torcedores como nenhuma outra. Depois de superar sem derrotas um grupo onde estavam ingleses e holandeses, foram capazes de eliminar a Romênia nas oitavas de final para cair apenas, com sofrimento inesperado, diante dos anfitriões nas quartas, a sua melhor classificação até hoje. Por aí também ficou a Iugoslávia, que era a “Bélgica” da época. Uma geração brilhante de jogadores que assaltaram o Mundial sub-20 do Chile apenas três anos antes, e muitos seriam campeões da Europa um ano depois, com o Estrela Vermelha. Era aquele combinado outsider que servia de segunda seleção para muitos torcedores, e não decepcionaram, jogando bem no grupo da morte contra Alemanha e Colômbia para, depois, eliminar a Espanha antes de cair aos pés, ou melhor, às mãos do inspirado goleiro Goycochea nas grandes penalidades frente aos argentinos. Nessa equipe, que parecia pronta para devorar o mundo, estavam jogadores como Savićević, Šuker, Prosinečki, Jarni, Bokšić e Stojković. O mundo acabou por devorar as suas ilusões e, meses depois, o estalar da guerra dos Bálcãs colocou ponto final a esse sonho. Oito anos depois, na França, parte dessa geração ilustre alcançou o terceiro lugar com as cores da Croácia, deixando claro que, se não fosse pela guerra, talvez essa tivesse mesmo sido a década dos iugoslavos no futebol mundial.
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Jornalista e escritor. Autor dos livros “Noites Europeias”, “Sonhos Dourados” e “Toni Kroos: El Maestro Invisible”, “Sueños de la Euro” e “Johan: a anatomia de um gênio” Futebol e Política têm tudo a ver, basta conectar os pontos. O coração de menino ficou no minuto 93 da final de Barcelona. Estudou comunicação na Universidade do Porto.
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